Spike Lee é aquele realizador que tem por hábito andar no mainstream só quando lhe apetece. Tanto faz filmes bem mais alternativos e pouco atractivos para as massas(como o muito bom "she hate me") como para projectos bem maiores e até comerciais( "malcom x" é um histórico na filmografia do cineasta). Desta vez, e após o falhanço comercial e de crítica que foi precisamente "she hate me", lee volta com um filme demarcadamente mainstream: "Inside man" é claramente, um filme "grande", e isso nota-se tanto na sumptuosidade da realização em certos momentos, como na aparição da polícia após o sequestro no banco, ou quando os supostos assaltantes iniciam o sequestro.
Com este teor comercial, é normal existir um medo generalizado que Lee se resigne a filmar, não aquilo que quer mas aquilo que pode: no fundo, e para ser mais específico e directo, é normal existir um medo que Lee se "venda" à grade indústria.
No entanto, isso nunca acontece. Obviamente diria eu: nunca, em toda a sua filmografia, Lee mostrou vontade em ir de encontro aos trâmites mainstream e não era agora, com o seu nome totalmente firmado no panorama cinematográfico mundial que iria começar pois não?
Bom, e falando do filme propriamente dito: verdade seja dita que a sinopse é muito simples. Um grupo de ladrões toma de assalto um dos principais bancos de Nova Iorque. Pronto. È só isto. Clive Owen é o mestre de cerimónias desse mesmo assalto, é ele quem dá ordens, que lidera toda a operação que, como é dito várias vezes ao longo do filme, foi operada ao milímetro. Que, curiosamente é descoberta por um guarda...parece um paralelismo a "she hate me" que, também paralelizava a situação vivida pelo protagonista com a do guarda que descobre toda a conspiração de Watergate.
O filme inicia-se com um grande plano de Clive Owen a explicar tudo. Quem é, porque faz o assalto, o que tem a ganahr com isso. só não fala no "como", até porque depois ele vai ser muitíssimo bem explanado, sendo um dos pontos-chave do filme.
È por isso o que parece um simples assalto a um banco com reféns, aliás a própria abordagem, tanto do comandante dos serviços de emergência(Willem dafoe) como dos dois detectives encarregados de negociar com os assaltantes(Denzel Washington e Chiwetel Edjiofor), pegam no caso como "mais um entre muitos". Aliás, logo no início da aparição do detective Frazier, interpretado por Denzel Washington, um dos seus colegas de trabalho diz-lhe simplesmente "saíu-te a sorte grande". Verdade seja dita que ela surje de facto para Frazier, mas não é directamente pelo assalto.
Aliás...assalto? Isso significa que algo foi roubado. E até é verdade. O problema é que nós espectadores, ficamos logo com a ideia da estranheza deste assalto: afinal seria perfeitamente comum que os tentassem colocar todo o dinheiro do cofre em sacos. e é uma das próprias falas de willem dafoe que também denuncia a estranheza do assalto: quando ele indica que não entende porque é que os sequestradores têm sempre a mania de pedir aviões, quando se sabe das impossibilidades dum pedido deste género...
E é neste contexto que o dono do banco surge. Um homem que à primeira vista parece um simples self-made-man que, segundo as leis capitalistas, seria objecto de quase idolatração. Mas ele sabe que existe um segredo. Ele sabe o que tem naquele banco, aquilo que o poderá incriminar de actos pouco meritórios, os quais não vou revelar mas não são escondidos ao longo do filme. È aqui que ele contrata Madeline white (Jodie Foster) para que ela possa controlar aquilo que existe naquele banco, e que ele tanto quer proteger. E é dentro deste prisma que percebemos que não há inocentes nesta película. Tanto o detective Frazier quer subir na carreira, como Madeline que está interessada em agradar a quem a contrata, mesmo sabendo do seu passado, tanto os assaltantes que egendraram uma astuciosa forma de fuga. Tanto aquela criança de 8 anos igualmente sequestrada, que joga na sua consola portátil (com o nome igual ao da nossa polícia pública, ou seja PSP) a um jogo onde o objectivo é cometer o maior número de actos ilícitos.
È neste clima de culpabilidade que o filme segue: e como todos são mauzões, mais vale pormo-nos a rir com isso. Os diálogos induzem muitas vezes ao riso, a forma em como o próprio assalto decorre também tem o seu quê de cómico. Com esta componente de comédia, spike lee vai-se movendo ao longo da película, em busca dos tais jogos de interesse.Encontra-os facilmente, deixando que eles sigam o filme: o assalto é só o subterfúgio para algo muito maior. Por isso é tão estranho, tão contra-natura. E Lee explora isto, durante todo o filme, sobretudo após a conclusão do assalto e também dos saltos narrativos que percorrem o próprio assalto(as micro narrativas dos interrogatórios a todas as pessoas ali presentes no banco). Se, de início parece mais um heist-movie, Lee consegue manipulá-lo suficientemente bem para mudar de rumo.
A nível de actores...bem nem vale a pena dizer nada. Os nomes que lá estão dão segurança suficiente para que não hajam más interpretações. O que aqui interessa realmente é ver como é que todo o cinema de Lee, com as suas habituais conjecturas raciais e, agora, pós 11 de Setembro( genial a sequência em que sai um refém àrabe, ou aquela em que madeline e Grazier falam junto a um painel alusivo ao 11 de setembro) consegue filmar algo que parecia comercial à partida. Um filme mainstream de Lee? Sem dúvida. Mas também um filme de autor. Não sendo genial, é fascinante ver como Lee se consdegue mover. Ele, todas as personagens, e a história envolvente. Não é genial mas é muito bom. Excelente até.
Dùvidas com a nota não faltam...Mas quando tenho dúvidas opto sempre pela nota mais alta que penso para um filme, ou para um disco. E não abro aqui excepção a mais esta belíssima fita.
9/10