Slumming de Michael Glawogger(2006)
Michael glawogger foi um dos homenageados do indielisboa. O cineasta austríaco foi alvo de uma reposição de vários dos seus filmes, sendo que "slumming" foi o único ficcionado, já que o realizador é especializado em documentários. O curioso, ou talvez não, é que se vê em "slumming" alguma toada documental que é bem capaz de ser a maior vantagem deste filme.
A sinopse nem é muito complicada: dois amigos, sebastian e alex, são aquele tipo de meninos ricos que podem fazer o que querem. Apesar de tudo, Alex ainda estuda(embora nunca o vejamos a fazer isso) e Sebastian contenta-se a vaguear por Viena, a marcar encontros com raparigas via internet. Num desses encontros encontra Pia, e começa a pensar que se apaixonou por ela. Ora, numa das habituais voltinhas pela zona rasca de Viena ("Slumming" quer dizer mais ou menos isto), encontram um vagabundo, de nome Kallmann, ao pé da estação de comboios. Vai daí não vão de modas: Vá de ir até à fronteira, e deixá-lo na república checa, apenas por gozo pessoal.
O início do filme é fantástico: Kalmann, maldiz toda a gente que encontra naquela carruagem de metro, que ele vagarosamente percorria. Com uma voz raivosa, enérgica. Só esta cena compensa por todo o filme. O que vale é que o resto tambem não é nada de se deitar fora: Com aquela súbita viagem de Kalmann, para gozo puro dos dois amigos, a verdade é que o vagabundo se torna melhor pessoa: consegue sentir-se importante ao dizer adeus às pessoas que vai encontrando quando toma um autocarro que, acreditava ele, ia para Viena: adquire instintos de sobrevivência ao pernoitar num albergue num lago que estava gelado: arranja-se de uma forma minimamente condigna e sente-se diferente.
Aliás é o próprio Sebastian a referir-se a isso mesmo: Se calhar até foi bom para ele, se calhar a vida dele vai mudar. Se calhar Kalmmann é o futuro de Sebastian, e Sebastian o seu passado. Se calhar eles são a mesma pessoa, mas em dois corpos diferentes. E porque digo isto: Kalmmann vagueava pelas ruas escuras de viena, tentando vender seus poemas. Sebastian fazia precisamente a mesma coisa, exceptuando que não escrevia (e há uma alusão a este facto numa curiosa conversa entre Pia e Sebastian), e deambulava num bmw com computador de bordo.
Já Pia é uma espécie elo de ligação entre os dois: quando alex lhe conta aquilo que eles fizeram a Kalmmann ela tenta alcançá-lo custe o que custar. vai, inclusivamente à república checa, com uma das pessoas mais chegadas àquele homem, colando cartazes na parede. Pode-se dizer que é a fonte de consciência e solidariedade de todo o filme, contrapondo-se com Alex, o amigo de Sebastian que também teve problemas de consciência em fazer aquilo ao vagabundo, mas não negou o prazer que isso lhe deu.
Mas o melhor do filme é, sem dúvida, a forma em como Glawogger filma Viena: contrapondo aquela ideia de cidade glamourosa cheia de óperas e teatros, com grande actividade cultural, o realizador busca precisamente os pontos mais decrépitos de Viena, aquelas zonas escuras e sombrias que não nos dão a conhecer em panfletos turísticos. Os últimos minutos do filme, onde Sebastian abandona o comboio para confraternizar nas barracas que se erguem junto à linha, é bem exemplo disso: disso, e também do multiculturalismo que se vive na cidade. A páginas tantas vemos dois "emigrantes", a entreolharem-se tentando perceber se Sebastian era norte-americano, ou australiano... Enquanto este dançava alehgremente com um grupo de indianas(?) que realizavam uma exibição de dança, ornada com vestidos cheios de brilhantes.
Aqui quase chegamos à temática "lost in translation", dentro da nossa cidade natal: vemo-nos fora daquele contexto, fora daquilo onde costumamos estar, sem reacção aparente. Por outro lado, ao contrário do bob e da charlotte, Sebastian sente-se estranhamente em casa. E aquele último plano geral, onde vemos este a percorrer a linha de comboio, com a background voice que repetiu aquilo já pronunciado no início da película, é perfeito e remete-nos directamente para a existência de Kalmman: são duas vidas iguais, emnbora em berços diferentes.
"Slumming" é perfeito? Não. Por vezes parece que Glawogger poderia ter ornamentado um pouco mais a narrativa. Dar-lhe mais pontos de referência. Mas a forma em como ele mostra viena, caracterizando-a como uma cidade suja e sombria, onde nem todos são tão perfeitos quanto nós poderíamos pensar, é brilhante. E o modo em como ele retrata os bairros de lata, é igualmente perfeito e mostra um olhar crítico para com aqueles que são deixados ao abandono e que pouco podem fazer para vencer na vida. Ali está a Àustria. Aquela que desconhecemos e que Glawogger nos quis mostrar. E não nego que sempre que me lembrar de Viena, ou se tiver a oportunidade de lá ir, é bem provável que também não me esqueça deste filme, um retrato frio e crítico de uma cidade que todos achavam quente e calorosa.
8/10
1 Comments:
Muito bom o post sobre o filme....pra ser sincero nao apreciei muito a pelicula...mas o post esta muito bem escrito e me abriu os olhos para entender o filme de uma forma bem complexa...muito bom!
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