Friday, March 17, 2006

A HISTORY OF VIOLENCE( David cronenberg 2006)



Falar sobre um filme destes é difícil. Falar sobre a hora e meia de projecção é tarefa de complicada índole, sobretudo pelo facto das imagens ainda estarem demasiado apegadas à memória. E estive eu muito tempo a reflectir sobre que princípio de crítica é que poderia dar a um filme destes, para agora nada me sair condignamente. Porquê? Precisamente porque poderia ter pegado em tantos ângulos, em tantos pontos da história que agora tudo isso me parece demasiado inusitado e denunciado, para iniciar uma reflexão condigna sobre este filme.

Antes de mais nada esclarecer o povo leitor fica sempre bem: é de reparar que este filme se chama "a history of violence". sim, eu sei, toda a gente sabe o título do filme só um cromo como eu é que tem a estupidez em estar a escrevê-lo outra vez, no entanto não confundir "history" com "story" porque em português só usamos a palavra "história". Ora é "história" no sentido lato que aqui se fala. Sim aquela história do D. Afonso Henriques que deu cabo dos mouros todos, e depois foi coroado rei. História enquanto rasto, enquanto algo que já se passou mas que existiu. E nunca enquanto "ah e tal puto do meu coração, agora vais dormir e vou-te contar a história dos 3 porquinhos para adormeceres melhor". Pronto, acho que já se percebeu a ideia.

Agora indo à breve súmula dos acontecimentos: Tom Stall(viggo mortensen) é um pacato dono de um restaurante numa qualquer terra americana, perdida entre uns quantos montes. Pessoa normal tem uma mulher, dois filhos, uma vida estabilizada naquele recanto do globo onde não se passa nada. Não se passa nada...Até o homem se tornar num herói quando mata 2 homens que tentavam assaltar o seu restaurante. A partir daí, nesse momento chave, tudo parece sofrer uma enorme transfiguração. È quando aparece outro homem, Carl Fogarty(ed harris), que começa a ameaçar Tom dizendo que ele não é Tom Stall, mas sim Joey Cusack, um assassino profissional nascido em Philadelphia.
Se ele é ou não um assassino....Essa não é,de longe a questão fulcral do filme. Aliás a minha vontade era difundi-lo desde já, se não fosse o facto de poder existir gente que era capaz de ter vontade de me tar um tiro na cabeça...como algumas das personagens de "A History of Violence" levam.

Porque a questão fundamental que o filme levanta, é se nós somos quem dizemos ser. è se nós não pudemos mudar, se não pudemos ser alguém diferente daquilo que costumamos parecer, muito por causa das nossas acções. e não vão ser nomes, ou troca de identidades, ou novos rumos que nos impedirão de, mais tarde ou mais cedo, sermos confrontados com a nossa própria realidade, nomeadamente a passada: a tal história que todos nós temos.E é disto que fala toda a película, que compõe uma história nunca dando mais nada ao espectador do que essa mesma história. As flores estão escolhidas, o espectador que componha o ramalhete. Tom Stall parece um homem simples. a sua mulher e os seus filhos também. Mas também eles se transformam: a mulher, na primeira cena de sexo do filme, quando aparece vestida de cheerleader, e o seu filho mais velho quando agride um colega de escola que o andava já a provocar há muito tempo. È precisamente essa transformação de caracteres que aqui ocorre, porque se o nosso passado pode dizer muito sobre nós mesmos, também o presente pode: e também nos podemos transfigurar, desde que saibamos sempre que o mais provável é tudo voltar a ser como dantes.

Esta breve e parca reflexão sobre o filme pouco indica se eu realmente gostei de "A history of violence" ou não. Meus amigos: é absolutamente genial. Genial porque consegue retratar numa história simples todas as emoções, mudanças de personalidade,reacções humanas. Porque cronenberg é fantástico a realizar toda a trama, com um excelente contraste de sombras em certos diálogos (vide no campo contra campo entre tom e fogarty, onde uma das faces de cada personagem surge iluminada pela luz, e a outra permanece na sombra). Genial porque os actores conseguem dar a dose correcta de dramatismo e força a cada uma das personagens. Mas, sobretudo, porque nos fica a remoer o espírito durante a hora seguinte. Porque não nos larga, porque retemos as imagens mais fortes, os diálogos mais subtis, as suspeições mais concretas. È como um espigão que nos entra, nos dói, e que custa a sair.

"A history of violence" é bem capaz de ser um dos filmes mais simples de cronenberg. comparado com os complexos "videodrome" ou "spider", é mesmo uma simples brincadeira de crianças entendê-lo. No entanto é, à sua maneira um filme muito violento. Fisicamente tem algumas cenas mais explícitas, no entanto a violência do filme é expressa em toda a atmosfera pesada que o filme carrega, coadjuvado pela oportuna banda sonora. só por isso mereceria uma especial menção.

No entanto as questões que o filme coloca são igualmente pertinentes, e estão-nos sempre a acontecer. Não chegando ao ponto de Tom, mas quantas vezes não nos surpreendemos a efectuarmos determinada acção? E será que não existe tanta gente com um passado oculto? As pessoas não merecrão uma segunda oportunidade?
Tudo isto épertinente. E tudo isto está bem patente em "Uma história de violência". Um filme com um bom princípio, um surpreendente meio, e um fabuloso fim. Mais que obrigatório, é um daqueles filmes que, nem que estejam a morrer à fome, têm que ir ver. Depois tentem ir arrumar carros, ou lavar vidros para a rotunda do relógio. Mas perder "Uma história de violência"? Nunca. Fabuloso, e acabou a conversa.

10/10

0 Comments:

Post a Comment

<< Home